Para ti...

Agosto!
O Sol queimava a pele. Era difícil respirar. Havia festa e família e o quentinho do amor e dos amigos, amigos a sério, eram as férias. Haviam os sorrisos e os olhares doces dos miúdos, a brincadeira e o cansaço. Nela havia também um desejo, uma vontade, uma inquietude, uma ansiedade. Ela tinha que ver, que estar, ali. Ali.
Chegou e abraçou um corpo e viu uns olhos negros profundos, sem fim, apenas negros, apenas sem fim, sem fim! O seu amor grande então disse:
- Deixo-te sozinha!
Aí ela soube o que significava aquele negro, aquele vazio. Quis conter as lágrimas porque não eram bem vindas, quis conter a dor porque a razão assim insistia, quis fugir, mas lá fora estava tudo e do tudo não se podia fugir. Ela percebeu, por instantes fugidios, que o momento requeria um adeus. Fugiu ela desses instantes e ficou ali, sem nada, apenas com aquele olhar negro, profundo, sem fim.
Sem fim!
Sem fundo!
Sem nada!
O redor do olhar eram pontas afiadas que apontavam para um fundo, profundo, invisível... Fica a imagem, a dor, um negro ...

- Até já!

Palavras impensadas que explodiram dentro dela, porque não podia estar mais ali, porque não podia dizer adeus, porque o seu mundo a esperava sem saber da sua dor, afinal, um até já, desejado do fundo de uma alma que não existia assim, sem aquele corpo, sem uns olhos verdes cheios de vida e de calor e uma voz que gritava aos céus e os acalmava.

Virou costas com um até já e deixou-se mimar pelo amor, pela família, deixando a sua alma ali. Ali!

Então veio o frio, o gelo que entorpeceu o mundo, parou o sentido, parou o correr de tudo, parou... parou! Esse frio, esse gelo ficou na sua alma. Os dias passaram, a vida decorreu sem sentido, sem vigor, sem nenhuma força, ela apenas manteve o tudo, o tudo que era seu, deixando o tudo que era só dela. As manhãs, o acordar, os miúdos, as obrigações, as reuniões, as escolas, a família, o marido, a família, a casa, a roupa, o sono, o silencio, a vida... Até já!

Um dia anunciado porque a razão assim o entendeu, a Tita deixou-se levar pelo rio que lhe puxava as forças, e sentada nas margens molhada de lágrimas escondidas entendeu as palavras que disse. Já, era agora!

E agora são uns olhos vivos que acompanham e zelam, e ela sabe, a Tita. Uma decisão, uma nova etapa, uma força vinda talvez de um qualquer negro profundo cheio de força ou de o cheiro de um jasmim ou de a vida que transborda desse corpo que agora é dela... A Tita sentiu a paz, difícil, cinzenta, enorme.

Até já avó - disse a Tita, e finalmente sentiu... a chama pequenina dentro dela, chamando por deuses e céus e fogos, sedenta de cores e de chamas e de vida, clamando por gritos e euforias e cantos e risos... chamou-me a mim...

Sou a Inês e ouvi-te e guardo comigo o teu som os teus anjos a tua voz e a tua vida, comigo, sempre comigo! Sou a tua neta a tua Tita, és o meu colo, sempre!

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