Humm...


Pirolito insiste que o Pai Natal o ano passado era o Pai.
Pois era!
E se acabássemos já com esta história?
Não estou a conseguir insistir...
- Oh mãe, mas tu compras os Legos, depois dás ao Pai Natal!

Voltou!

A chuva!

A música do Pingo Doce... mais... natalicia. ou lá o que aquilo é.

Será que voltou mais alguma coisa para me enervar?

Anomalias

A raiva...


Se não a olharmos, sem dó nem piedade, se não alcançarmos o seu intimo, mesmo contrariando regras e falsos sentires, se não nos despirmos da mentira que queremos para aceita-la como a sentimos... Cegamos!


A raiva permanece o corpo estranha-a, e não a vemos. Por onde passamos deixamo-la, em pedacinhos que de nós saltaram como farpas, como chamas. Não nos reconhecemos, desculpamo-nos com mentiras e continuamos cegos. Um dia o corpo aceita-a, para isso molda-nos de forma a sobreviver. Nessa altura é já quem nos comanda! Reagimos com raiva e abrimos portas para o que a suporta ... A cobardia, a inveja, a guerra... De repente parece que o mundo nos agride, nos falha... os que nos rodeiam estão errados, a culpa espalhamo-la à nossa volta. o trânsito, o stress, o cansaço, a doença, o ruído, a chuva... estamos cegos!


A raiva!


Porque não disse.

Porque não fiz.

Porque fugi.

Porque falhei.

Porque fui.

Porque não fui.

Porque sou.

Porque não sou.


Eu, eu, eu! Assim, de braços caídos enfrento-me sem desculpas, sem ódios, sem falsas certezas, sem imagens, assim... despida e sozinha! Pego em cada mensagem ou imagem ou palavra e enfrento-me. Sem ninguém saber, sem ninguém me ouvir ... Cada pedacinho tem uma história e eu vivo-a e revivo-a e sei-a e olho-a e choro se chorar e rio se me rir... e aceito-a! Cada porquê, cada não, cada sim!


E aceito-me!


E a paz invade-me... porque alcanço nesse momento o cimo dessa imensa escalada... a honestidade!


... agora sim, podemos brincar. Agora sim podemos falar.


Está tudo aqui, pertinho, a um passo de nós... Apetece-me gritar alto para todos ouvirem!


Párem! Olhem para voces! Enfrentem-se!

Acho...

... que este vai ser um bom fim de semana!

Desceu as escadas em tamanha correria que nem percebeu os braços abertos da sua mãe que, num sussurro, lhe desejava um dia feliz.
Deixou a porta entreaberta, como todas por onde passava, presa aos fios coloridos que desde sempre a suportaram, enquanto boneca, enquanto menina.
Brincou e sorriu e beijou e abraçou e foi descendo a rua, saltando pelas pedras incertas. Esteve na escola, esteve no jardim, comeu massa de pão roubada de um alguidar.
Na rua mais íngreme, olhou por cima do ombro e sentiu o cansaço do regresso, mas não parou. Antes da ponte, num caminho estreito de terra foi levada pelo som de águas revoltas. Menina bonita, de voz doce e olhos meigos, quis sentir aquele som que ouvia e aproximou-se... Depois da água do rio ouviu a azenha de pedra e quis espreitar. Molhou os pés e tocou na pedra áspera da mó.
Olhou de novo por cima do ombro, não viu a sua rua nem a porta entre aberta... andou muito, muitas vezes perdida, nunca parou. O caminho era lamacento, ou coberto de margaridas molhadas de orvalho, ou de pó que lhe tapava a garganta, ou simplesmente de água.
Cansada, as mãos doridas do trabalho, os pés feridos da caminhada, sentou-se numa pedra e gritou e chorou.
- Porque choras? - Disse uma voz rouca.
- Porque só agora que aqui cheguei... me lembrei. Dos braços, do sol que me acenava em cada manhã, da cotovia que a cantar me acompanhou, da farinha por cima da mó, do sabor do pão quente, do calor no meu rosto, dos sorrisos, do branco quente nas pétalas das margaridas, passei por tudo sem olhar para nada!
- Não chores Tita, ficou tudo no teu peito, o caminho é longo e solarengo, o pasto está verde pintalgado de cores, o ribeiro corre feroz e arrasta a lama e o pó, o céu cinzento prenuncia chuva que depois nos trará calor. A cotovia vai espreitar sempre que abrires a janela.
Mas não mais te esqueças de a ver!

e terminou...4606

Acabou, acabou, acabou... já o repeti mil vezes.

Não sei bem o que sinto, não acredito ainda!

Hoje fico por aqui... só a sentir isto, que não sei bem o que é, mas é bom!

Que tal...

No Outono, todos os tons vermelhos e quentes do Alentejo, transformam-se. A paisagem fica verde e molhada pelas primeiras chuvas. Cheira a terra e a lenha. Cheira a pão e a pasto. Há um silêncio que se ouve, de tão profundo que é. Há uma luz ao final da tarde enevoada pelo frio que no faz ver mais longe.


Passei muito da minha meninice no Alentejo, em vários Alentejos.



Se eu pensar num olhar de felicidade, vejo o da minha mãe quando enchia o peito daquele ar com cheiro a lenha e me convencia a irmos passear e apanhar espargos verdes.

A meninice no Alentejo tinha terra e lama e brincadeiras e liberdade.



Apanhar espargos verdes era uma tarefa impossível. Na base de um qualquer sobreiro, deveria estar um pequeno arbusto, no meio desse pequeno arbusto poderia estar um espargo. Acho que nunca encontrei nenhum. Andávamos e andávamos, e as botas ficavam molhadas, e normalmente eu preferia fazer outra qualquer coisa e cansava-me daquela tarefa.



e agora...



Que tal amanhã bem cedinho, rumarmos a sul só para tentar encontrar um espargo verde? Nós os quatro de botas molhadas e mãos na terra? Ouvíamos o silêncio, sentíamos o ar frio e éramos só nós... e o Alentejo magnífico? Que tal?

a dúvida

... a serenidade que preciso para aceitar, não a encontro, por medo por desconfiança. Sei-me cheia de certezas e perseguidora incansável de respostas. Quero ajuda a decidir, ou a reforçar a decisão, não tenho!

Duvido do que ainda não ouvi, perco horas a imaginar palavras e as minhas perguntas. No que imagino não encontro saídas.

Como tantas vezes afasto a dúvida e fico à espera... como tantas vezes, decido que no momento certo vou saber o que decidir, espero a serenidade nessa altura.

Estou muito cansada, com vontade de desistir, quero-me de volta, quero a minha alegria, o meu cabelo, a minha força. Fico à mercê de probabilidades, daqui a cinco dias talvez isto termine, aí sairei vitoriosa, certa do dever cumprido. E se não terminar? Não quero mais seis meses, não suporto sequer essa ideia. Não encontro motivos para continuar, vou encontrar um discurso qualquer acerca de estatísticas. Quais?

Eu argumento lindamente, dêem-me uma idéia que eu vendo-a, disserto sobre o conhecido com facilidade, mas também ouço sobre o desconhecido.

Não sou pessoa de desistir, até a ideia me irrita, sou persistente, sou forte, mas não tenho os motivos.

Não tenho também ninguém que claramente opine, há sempre o silêncio. Poxas que isto nunca me tinha acontecido.

Vou esperar.

Para ti...

Abriste o tecto do carro e puseste meio corpo de fora, de pé em cima do apoio do banco, ao meu lado.

Abriste os braços, olhaste lá para fora e a sorrir disseste-me: - Mãe! É o mundo não é? E nós somos só um planeta.

Não sei como imaginas tudo isso na tua cabeça, sei que o teu olhar me inundou desse mundo, que por momentos perdi-me das horas e do frio e viajámos os dois no teu planeta. Senti um calafrio de medo por ter esse teu mundo nas minhas mãos, por enquanto, tremi de medo de saber o quanto esse mundo vai mudar aos teus olhos. Mas deixei-me embarcar na tua nave lunar, aquela que nos levará para outros planetas e por alguns momentos apenas brincámos e rimos. Beijei-te com força! Desculpa estar tanto tempo de olhos fechados, embrenhada noutras viagens, sem tempo, sem paciência. Afinal hoje obrigaste-me a acordar!

Parabéns pequenito!


Estavas tão feliz ! Fazes-me feliz também!