Desceu as escadas em tamanha correria que nem percebeu os braços abertos da sua mãe que, num sussurro, lhe desejava um dia feliz.
Deixou a porta entreaberta, como todas por onde passava, presa aos fios coloridos que desde sempre a suportaram, enquanto boneca, enquanto menina.
Brincou e sorriu e beijou e abraçou e foi descendo a rua, saltando pelas pedras incertas. Esteve na escola, esteve no jardim, comeu massa de pão roubada de um alguidar.
Na rua mais íngreme, olhou por cima do ombro e sentiu o cansaço do regresso, mas não parou. Antes da ponte, num caminho estreito de terra foi levada pelo som de águas revoltas. Menina bonita, de voz doce e olhos meigos, quis sentir aquele som que ouvia e aproximou-se... Depois da água do rio ouviu a azenha de pedra e quis espreitar. Molhou os pés e tocou na pedra áspera da mó.
Olhou de novo por cima do ombro, não viu a sua rua nem a porta entre aberta... andou muito, muitas vezes perdida, nunca parou. O caminho era lamacento, ou coberto de margaridas molhadas de orvalho, ou de pó que lhe tapava a garganta, ou simplesmente de água.
Cansada, as mãos doridas do trabalho, os pés feridos da caminhada, sentou-se numa pedra e gritou e chorou.
- Porque choras? - Disse uma voz rouca.
- Porque só agora que aqui cheguei... me lembrei. Dos braços, do sol que me acenava em cada manhã, da cotovia que a cantar me acompanhou, da farinha por cima da mó, do sabor do pão quente, do calor no meu rosto, dos sorrisos, do branco quente nas pétalas das margaridas, passei por tudo sem olhar para nada!
- Não chores Tita, ficou tudo no teu peito, o caminho é longo e solarengo, o pasto está verde pintalgado de cores, o ribeiro corre feroz e arrasta a lama e o pó, o céu cinzento prenuncia chuva que depois nos trará calor. A cotovia vai espreitar sempre que abrires a janela.
Mas não mais te esqueças de a ver!

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