Hoje


Era miúda crescida, grande e sonhadora, tantas vezes descia aquela enorme ladeira de terra e tanto pó, sob o calor mais quente que esta terra nos dá. Sempre sozinha, na alma carregava a loucura duma adolescência citadina ofuscada de luzes e gritos. Descia a ladeira com a culpa do desaprovar de uns avós que de tão avós e de tão grandes não me queriam sozinha, não me queriam ali.
Ali era um sítio magnifico, onde o calor da descida da ladeira se transformava em água. Ali eu procurava o meu canto, aquele distante onde ninguém me poderia ver, e ali ficava sozinha e cheia de mim, em alturas em que o corpo pedia paz e a alma pedia vida! A água do Guadiana não é límpida, ali nas azenhas de Mértola ela tem um cheiro característico, acho que cheira a pedras e a musgo, a agua é quente e calma. A serra na outra encosta está cheia de contos tão ouvidos, cada pedra, cada caminho tem uma história na minha mente!
O Sol escondia-se e eu voltava... e subia a ladeira zangada porque mais uma vez era tarde, como sempre, era sempre tarde!
Hoje desci essa ladeira de carro, sem terra nem pó, não avistei o rio, porque não pude, antes do rio estavas tu, e hoje eu não me podia atrasar...
Naquele sitio perto da azenha há um pátio, há alguns carros, há umas construções simpáticas, há uma placa que diz "Lar".
Estavas sentada com o olhar distante, tão distante... Alguém sussurrava ao teu ouvido, não sei o quê mas não interessa porque estavas distante...
Aproximei-me, tirei os óculos, reconheceste-me passados uns segundos e eu abracei-te tanto, tanto, e a tua voz estremeceu e as lágrimas apareceram nos teus olhos... Afinal quem te sussurrava era para mim um estranho que nem deveria ali estar, apesar de ser o teu filho!
Voltei para Lisboa com a determinação de voltar a descer aquela ladeira agora feita de alcatrão e deitar-me a teu lado, como eu fazia nas azenhas, apenas para sentir a serra e o vento e o quente....
Desculpa avó, não te disse nada do queria dizer, mas disse o que sei que sentiste!
Vou voltar, vou voltar!

3 comentários:

S* disse...

Recordações demasiado fortes não desaparecem facilmente. :)

DonJuan disse...

Lindo!

DonJuan disse...

Inês, o que é que se passa com o layout do teu blog? é só no meu PC que aparece tudo confuso e cheio de coisas estranhas? é mesmo assim? beijinhos